30 de mai. de 2012

O Ex-voto mais antigo de São Cristóvão - SE


        Em Sergipe, esses signos e a procissão de Senhor dos Passos em seu entorno já foram objeto de alguns estudos históricos e sociológicos. A deposição de ex-votos na Igreja de Senhor dos Passos de São Cristóvão é prática ritual muito antiga. Através de uma pesquisa posso afirmar que essa prática votiva tenha começado no mesmo momento em que a procissão se consolidou, provavelmente no quinto período da evolução urbana, entre 1650 e 1767, quando a cidade de São Cristóvão foi elevada à condição de capital da província. Contudo, o mais remoto deles data de 1859, momento posterior à mudança da capital da província para Aracaju, que ocorreu em 1855.
        A figura a seguir representa um “Ex-voto Cênico” ou “Tábua votiva”, conforme Castro (1994, p.9)[1], apresentado como pequenos quadrinhos, em que aparecem cenas, "que constituíam como que uma crônica visual dos costumes da época”, geralmente acompanhados de pequenas narrativas sobre aflições passadas e, por esse meio, o ofertante agradecia ao santo protetor pelo milagre alcançado.
        A cena retratada nesse ex-voto mostra uma fiel suplicando de joelhos a intercessão da protetora, a Senhora das Graças.  Nota-se, na imagem, a ausência de bancos na igreja e também a riqueza do altar barroco, esculpido normalmente em madeira nobre e, aplicado sobre a talha, um douramento feito por finíssimas folhas de ouro.
         Sobre a cabeça da virgem em forma de arco, há uma prece: “Ó Maria concepta senza peccato pregate per noi che recorriamo a voi" [2]. No canto direito próximo à lápide, sobre o piso, está escrito com tinta branca: “Antônio Valerianno dos Santos, dezembro na Bahia em setembro de 1859". O agraciado? O que pede pela agraciada? O autor da pintura ex-votiva?  As vestes da fiel sugerem sua origem europeia, assim como a súplica em língua italiana.   

                                                                               Fonte: Carvalho, Eliane Maria Silveira Fonseca, 1990, p.5[3].





[1] CASTRO, Márcia de Moura. Ex-votos Mineiros – As Tábuas votivas no Ciclo do ouro. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1994. 
[2] Ó Maria, concebida sem pecado, rogai por nós, que recorremos a vós.
[3] CARVALHO, Eliane Maria Silveira Fonseca. Ex-Voto Sergipe – Museu do.  Ex-voto. Aracaju: Nacional Ind. Gráfica; FBB - Fundação Banco do Brasil, 1990. Fotografia de Marcel Nauer, 1990.

ARQUITETURA E ICONOGRAFIA DA IGREJA SENHOR DOS PASSOS


           A arquitetura da Igreja dos Passos de São Cristóvão é característica do modelo das igrejas coloniais da Ordem Terceira do Carmo, devotadas aos Sete Passos da Paixão de Cristo. Essas igrejas são formadas por sete altares – o altar-mor e seis altares laterais – cada um abrigando uma das sete esculturas em tamanho natural, que retratam o martírio e a morte de Cristo. Também essas igrejas se caracterizam pelas pinturas de teto em caixotes, dedicadas a Santa Teresa d’Ávila, patrona da referida ordem secular, como referiu Frei Francisco de Salles, O. Carm (informação verbal)[1].

 Fonte: Lucia Maria Pereira, 2010.

[1] Informação obtida através de conversas com Frei Francisco de Salles, O. Carm, durante o processo de restauração da Igreja de Senhor dos Passos em 2009.    


O voto e o ex-voto


        O voto e o ex-voto são práticas universais cujas raízes se perdem no tempo, desde as figurinhas mágicas do Paleolítico Superior às quais o homem daquela época atribuía relação com rituais de fertilidade, subsistiram até o Neolítico, integrando-se aos rituais agrários relacionados com os solstícios e foram praticados entre sumerianos, acadeanos, assírios, púnicos, egípcios, gregos e romanos.
        Os fenícios, povos navegadores, foram vetores da difusão e transculturação dessa mitologia oriental. No período da expansão greco-romana, esses cultos difundem-se pela Grécia, Itália, Bretânia [sic] e todo o Ocidente.
        Tendo como ideia básica a invocação dirigida à terra-mãe, muitos crentes depositaram peças votivas nos templos de Diana, Apolo e Asclépio. Asclépio[1] – deus grego da medicina – filho de Apolo com a mortal Coronis. Ainda recém-nascido é entregue aos cuidados do centauro Quirion, que o instrui na arte de curar, pois é profundo conhecedor das plantas medicinais. Torna-se grande perito da prática médica, capaz até de ressuscitar os mortos. Isso desperta a ira de Plutão, deus do inferno, que pede a Zeus que o mate. Zeus o atinge com um raio fulminante, deixando triste Apolo. Para acalmá-lo, Zeus deposita no céu do Olimpo os restos mortais de Asclépio, transformando-o numa constelação – o Serpentuário. Asclépio, morto, passa a ser representado por um ancião, portando um bastão de andarilho no qual está enrolada uma serpente, símbolo da adivinhação e auxiliar de todas as divindades médicas. Na Grécia, são erguidos templos dedicados a Asclépio para onde se dirigiam doentes em busca de uma cura milagrosa para seus males.
        Tão importantes eram os deuses vinculados a cultos agrários ao se relacionarem “com a preservação da vida ameaçada por doenças ou morte que o juramento atribuído a Hipócrates [médico grego criador da teoria humoral], invoca Apolo – deus solar e oracular – para testemunhá-lo”  (SILVA,1981)[2].                              

       




[1] Cf. MIRANDA, Carlos Alberto Cunha. A Arte de Curar nos tempos da Colônia – limites e espaços da cura. Recife: Ed. UFPE, 2011, p. 25-26.      

[2] Cf. SILVA, Maria Augusta Machado da. Ex-votos e orantes no Brasil. Leitura museológica. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 1981, p. 24 (Coleção Estudos e documentos).

OS SETE PASSOS BÍBLICOS, segundo o evangelho de São João.


        Senhor no Horto das Oliveiras

“Tendo dito isso, Jesus foi com seus discípulos para o outro lado da torrente do Cedron. Havia ali um jardim, onde Jesus entrou com os discípulos (Jo 18,1).

        Senhor diante de Pilatos

“Então Pilatos entrou novamente no pretório, chamou Jesus e lhe disse: "Tu és o rei dos Judeus?”Jesus respondeu: “Falas assim por ti mesmo ou outros te disseram isso de mim?” Respondeu Pilatos: “Sou, por acaso, judeu? Teu povo e os chefes dos sacerdotes entregaram-te a mim. Que fizestes?”Jesus respondeu: “Meu reino não é deste mundo. Se meu reino fosse deste mundo, meus súditos teriam combatido para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas meu reino não é daqui". (Jo 18, 33-36).

        Senhor da Coluna

“Pilatos, então, tomou Jesus e mandou flagelar” (Jo 19,1).

        Senhor da paciência, da humildade ou da Pedra Fria

“Os soldados, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha na cabeça e jogaram sobre ele um manto de púrpura. Aproximando-se dele, diziam: “Salve, rei dos Judeus!” E o esbofeteavam” (Jo 19, 2-3).
 
        Senhor da Cana Verde ou Ecce Homo[1]

“Jesus então saiu, trazendo a coroa de espinhos e o manto de púrpura. E Pilatos disse: “Eis o homem!”’ (Jo 19, 5).
        Senhor dos Passos

“E ele saiu, carregando sua cruz e chegou ao chamado “Lugar da Caveira” – em hebraico chamado Gólgota” (Jo 19, 17).

        Jesus Crucificado

“[...] onde o crucificaram: e, com ele, dois outros: um de cada lado e Jesus no meio” (Jo 19, 18).



[1] Expressão latina que significa Eis o Homem.